quarta-feira, 9 de março de 2011

BC, Mercado e interesses pró-juros


Fabio Graner e Adriana Fernandes - O Estado de S.Paulo
O Banco Central estuda ampliar o alcance da pesquisa semanal Focus, que coleta as projeções de uma série de analistas do mercado financeiro para a inflação. Embora em estágio ainda preliminar, uma das ideias é incluir no levantamento projeções feitas por acadêmicos. 
Os críticos de dentro e fora do governo consideram que o levantamento da pesquisa Focus mostra apenas a visão do mercado financeiro, deixando de fora outros segmentos da sociedade. Isso, na visão dos críticos, coloca um viés pró juros altos nas decisões do BC.
A preocupação com o formato da Focus aumentou diante do fato de que nas últimas 12 semanas houve alta ininterrupta na estimativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para o sistema de metas de inflação. Atualmente, a previsão para o IPCA em 2011 é de 5,8%.
Diante desse quadro, parte do mercado financeiro considerava que o BC deveria agir com mais força e subir a taxa Selic em 0,75 ponto porcentual. Tal visão, que existia inclusive em parte dos que apostaram em alta de 0,5 ponto porcentual, confirmada na semana passada, é de que o BC não poderia deixar as expectativas subirem tanto, sob pena de alimentar o processo de remarcação de preços.
Embora ainda considere bastante a Focus, o BC tem dado sinais de que põe um peso menor da pesquisa em seu processo decisório.
A avaliação é de que as expectativas têm sido muito influenciadas pela inflação corrente e que os índices de preços e as previsões do mercado vão cair ao longo do tempo, com mais força no segundo semestre, respondendo ao conjunto de ações de política econômica.
Segundo uma fonte do governo, um dos problemas da Focus é que grande parte das instituições consultadas não estaria preparada para fazer avaliações aprofundadas. "São poucas instituições que têm condições de antecipar uma mudança importante de um indicador, como inflação", disse. Esse integrante do governo considera que tal quadro reforça o comportamento de manada no mercado. "Ninguém quer errar numa ponta e ficar marcado."
Refém. Também há críticas de cunho mais ideológico. Há no governo quem acredite que o mercado "cria" ou "amplifica" problemas por meio da Focus para o juro subir mais, cooptando ou deixando o BC refém do mercado. A solução, avaliam, seria pelo menos o BC dar pouco peso à Focus em seus modelos.
O economista Amir Khair é um dos críticos mais duros do atual formato da Focus. "É muito estranho o BC só ouvir o mercado financeiro. É preciso olhar o País todo. Esse segmento do mercado tem interesse na Selic elevada, pois isso representa ganho fácil para os bancos", disse Khair. Na visão dele, para a pesquisa ser mais confiável, é preciso maior concorrência, com a participação de setores da economia real (entidades do setor industrial, comércio, serviços, etc.) e também de institutos que acompanham inflação.
O ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas reconhece a importância da Focus, mas avalia que ela de fato poderia ser ampliada.
Ele lembra que nos Estados Unidos há pesquisas semelhantes com uma amostragem bem maior - a Universidade de Michigan, segundo ele, consulta mais de 5 mil agentes. De qualquer forma, Freitas destaca que a Focus recentemente tem acertado mais que o BC. Segundo ele, no ano passado a pesquisa já mostrava uma tendência de piora na inflação e a autoridade monetária resolveu mesmo assim parar de subir os juros, o que hoje os dados mostram ter sido uma decisão equivocada.
O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, afirmou que a Focus é um importante canal de transmissão das expectativas de inflação para a economia real. "Certa ou errada, (a previsão) tem importância para a economia real", disse. "Se o mercado se convencer de que a inflação vai ficar dentro da meta, a expectativa de inflação vai refletir isso e será transmitida para a economia real. Ficará mais fácil para o BC. Ele terá de subir menos juros", acrescentou, destacando que o BC já fez sondagens com representantes da economia real. "Sabe o que eles descobriram? Que eles seguem a Focus", concluiu.
O professor da USP Fábio Kanczuk afirmou que o BC já tentou ampliar a Focus com empresas e universidades, "mas não houve muito interesse".
Segundo ele, as empresas usam as projeções de consultorias e bancos, o que, no final das contas, reforça a necessidade de se fazer projeções consistentes. Kanczuk considera que o BC recentemente partiu para uma estratégia de desqualificar a Focus, alegando o excessivo peso dado à inflação corrente, mas ele não vê "razão boa para isso".

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