sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Como Wall Street encarece a nossa comida


Movimentos sociais ao redor do mundo estão se conscientizando sobre os mercados financeiros, porque nas últimas três décadas as mudanças nas normas desses mercados passaram a afetar a vida de cada habitante no planeta.
Os movimentos sociais concentram a sua atuação no que afeta diretamente as comunidades mais pobres, os mercados de commodities, como trigo, milho, soja, café, açúcar, petróleo, gás natural, metais industriais e preciosos. É nesses mercados que especuladores de Wall Street ganham bilhões, enquanto todo mundo paga mais por sua comida e energia.
Como funcionam (ou deveriam funcionar) os mercados de futuros de commodities?
Os preços determinados pelos mercados de commodities, boa parte deles nos Estados Unidos, afetam o quanto pagamos por esses produtos no Brasil e no restante do mundo. Grandes compras de trigo, soja e outras commodities agrícolas sao feitas com o preço do Chicago Mercantile Exchange como referência. A maioria das commodities de energia são vendidas pelos preços da New York Mercantile Exchange. Assim, se os precos sobem em Chicago ou em Nova York, eles também sobem no mundo inteiro.
Esses mercados tem uma função importante para os agricultores e os seus compradores, pois permitem o estabelecimento de um preço fixo para vendas no futuro. Por exemplo, um agricultor de trigo nos EUA planta em abril, mas só vai vender com a safra de agosto. Muitas coisas podem acontecer entre abril e agosto para mudar o preço do trigo. O comprador também corre risco, nesse caso de o preco subir. Fixar um preço ajuda assim o planejamento dos dois. Esses contratos “futuros” são vendidos em Chicago e Nova York.
Os especuladores têm papel relevante nesses mercados. Na falta de outro comprador, o agricultor vende para um especulador, que, dessa forma, garante a “liquidez” aos mercados. Uma alta liquidez significa ter mais pessoas e dinheiro para fazer negócios. A situação nos mercados hoje é de liquidez excessiva.
Depois das crises nos EUA e na Europa na década de 1930, o Congresso norte-americano estabeleceu leis duras para evitar que os especuladores dominassem os mercados de commodities. Foram impostos limites para a especulação com commodities. Além disso, todas as vendas e compras de commodities se dariam em mercados abertos.
Com essas leis, os mercados de commodities funcionaram bem por muitas décadas. Vendedores e compradores de commodities representavam de 70% a 80% do mercado, e os especuladores, 20% e 30% dos mercados. A coisa, no entanto, começou a mudar na década de 1990…
O que mudou no mercado de commodities dos anos 1990 pra cá?
Durante os anos 90, a CFTC, a agência responsável pela regulação dos mercados de commodities, começou a conceder isenções nos limites de especulação para vários bancos e “hedge funds” (fundos privados de investimento). Finalmente, em 2000, o Congresso dos EUAaprovou uma lei que derrubou esses limites de especulação em commodities.
Por alguns anos, isso não foi um problema, pois os investidores estavam ganhando muito dinheiro em outras áreas. Depois, porém, dois fatos resultaram num grande aumento da especulação com comida e energia.
Em 2003, um estudo da AIG, uma grande corporação de seguros, mostrou que nos últimos 50 anos, os preços das commodities tiveram uma tendência contrária a ações e títulos. Por isso, seria vantajoso para os investidores institucionais (fundos de pensões e outros) investir uma parte dos seus recursos em commodities.
Ao mesmo tempo, esses investidores estavam perdendo dinheiro em outros mercados. Quando a Bolsa de Valores de Nova York caiu muito em 2000 e 2001, investidores tiraram dinheiro das ações e colocaram bilhões no mercado imobiliário. Esse monte de dinheiro causou uma bolha especulativa. Quando ela estourou, ocorreu a recente crise economica global.
Foi a partir desses dois fatos, o estudo da AIG e o estouro da bolha imobiliária, que os grandes investidores intitucionais começaram a colocar muito dinheiro em commodities. E foi muito dinheiro mesmo! Em 2003, esses investidores tinham US$ 13 bilhões em commodities. Em março de 2008, US$ 260 bilhões! A grande onda aumentou o preço das 25 principais commodities para uma média de 183% naqueles cinco anos. Em março de 2011, investidores institucionais tiveram um recorde US$ 412 bilhões. Por isso os preços de petróleo e comida continuam tão altos.
Hoje em dia, especuladores compõem 70% a 80% dos mercados de commodities, enquanto usuários genuínos (agricultores e fornecedores) não passam da faixa de 30%. O resultado é que os preços estão sendo determinados não pelas condições da oferta e procura, mas pelos banqueiros e gestores de fundos de pensão.
Investidores institucionais são especialmente nocivos, pois não agem como especuladores tradicionais, que compram commodities quando pensam que o preço vai subir e vendem quando acham que vai baixar. Investidores institutionais quase sempre compram um “índice” de commodities, quer dizer, uma cesta de várias commodities, apostando que os preços de todas vão subir a longo prazo, e seguram essa aposta por vários anos, como se fosse uma ação ou título.
A consequência desse tipo de investimento é uma tendência de aumentdo de todos os preços. Também significa que, quando esse investidores decidem retirar ao mesmo tempo os seus investimentos, como fizeram no final de 2008, os preços despencam.
A luta nos EUA e na Europa
Nos EUA, uma grande aliança se formou para enfrentar a especulação excessiva. Mais de 450 organizações, incluindo sindicatos, agricultores, entidades religiosas, grupos de consumidores, se juntaram e conseguiram influenciar a lei sobre reforma financeira, o Ato de Reforma de Wall Street e Proteção ao Consumidor. Esta lei, que passou em julho de 2010, incluiu mudanças nos mercados de commodities e mandou a CFTC colocar limites na especulação. Foi uma grande vitória da sociedade civil.
Infelizmente, a CFTC anunciou recentemente que só vai implementar as novas leis no final de 2011. Enquanto isso, populações não podem comprar alimentos, e os grandes banqueiros enriquecem.
A Comissão Europeia está considerando leis similares, e movimentos europeus pressionam para garantir que essas leis sejam rigorosas.
O papel do Brasil
É no G20 que o Brasil pode ter muita influência. O país tem o maior mercado de futuros da América Latina, e neste mercado há limites de especulação. A Índia também tem mercados com fortes limites de especulação e muita transparência. A experiência desses dois países pode ser usada para mostrar que os limites em especulação resultam em mercados mais estáveis.
No governo brasileiro, há opiniões diferentes sobre o perigo da especulação. Wagner Rossi, ministro da Agricultura, pensa que a especulação não é um problema, enquanto o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, acha que ela deve ser considerada. A pressão dos movimentos sociais pode garantir que a visão de Florence prevaleça.
Em 2011, a França está na Presidência do G20 e quer usar a posição para implementar reformas de estabilização de preços de comida e energia no mundo. Diminuir a especulação excessiva é uma parte importante dessas reformas. O Brasil pode ter um papel chave nos debates entre os países do G20 sobre a especulação. Pressão dos movimentos brasileiros pode ajudar nisso.
Está na hora de a gente se mobilizar
Faz todo o sentido os movimentos sociais iniciarem um trabalho sobre as commodities, pois isso está afetando diretamente a capacidade de o povo se alimentar. Se às vezes assuntos financeiros, como regulamentos de bancos, seguros e contabilidade, podem parecer pouco importantes, são nessas áreas que o grande capital tem avançado e crescido.
Precisamos nos informar em cursos e seminários, criar materiais didáticos e promover mobilizações para educar o público em geral. Não podemos permitir que os grandes banqueiros sejam os únicos que entendam de finanças.
Está na hora de colocar as mãos na massa. Vamos parar o grande capital mais uma vez com a nossa inteligência e criatividade.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Zigmunt Baumant

"A nossa modernidade tomou o caminho inverso de manter o desejo não somente vivo, mas de expandi-lo e torná-lo mais intenso [...]. Um dos documentos fundadores da era moderna, a Declaração Americana da Independência, proclamou a 'perseguição da felicidade' como um direito humano universal e inalienável. [...] Na vida moderna, incitada e impulsionada por desejos, a busca da felicidade tem sido identificada com o crescimento do consumo. O resultado é o consumismo: algo mais do que apenas 'consumo', que tem sido a condição natural não apenas dos humanos, mas de toda e qualquer vida. 'Consumismo' significa o desenvolvimento de outra ideia e uma preocupação humana bastante comum com o consumo elevado à categoria de filosofia total de vida, e uma estratégia de vida abrangente, ambas moldando o mundo como um contêiner lotado de possíveis bons consumidores [...]. A necessidade normal de consumo, comum a todos os organismos vivos, se transformou no motor da sociedade moderna: agora, a sobrevivência e a perpetuação da sociedade moderna tornaram-se dependentes do aumento contínuo dos desejos de consumo e da intensidade de compras. É por isso que o atual colapso dos bancos de crédito representa um verdadeiro desastre. Ele atinge o cerne do consumidor, da sociedade consumidores e da cultura consumista. A crise atual não é apenas a questão (temporária?) queda do consumo, mas da própria sustentabilidade do consumismo."

domingo, 21 de agosto de 2011

Os riscos da "faxina"

Por Marcio Morais


A política no Brasil sempre foi previsível por mais complexa que fosse em seus emaranhados de interesses.

Culturalmente, tanto na vida pública como na vida privada, a palavra “política” virou sinônimo, num sentido figurativo, de maneira hábil de agir ou astúcia.

É verdade, também, que a grande maioria da população pouco se interesse pela política pública no nosso país, que vota mesmo por obrigação e não por questões estratégicas ou comprometidas com o seu município, estado ou nação. Muitos decidem votar em um vereador – que tem 5 dígitos, o que dificulta decorar – do santinho jogado no chão próximo a zona eleitoral, sem nem saber seu histórico público, político e nem, ao menos, seu projetos.

Mas são esses candidatos de muitos dígitos e que são escolhidos assim, a revelia, que ditam as regras do jogo. Se eles quiserem - e fazem uso disso muito bem – o prefeito, o governador e o presidente não governam. Um presidente é tão dependente de deputados e senadores, tal qual, um feirante depende de seus fregueses.

A rede de interesses são tão complexas, que os interesses soberanos, partidários e pessoais se confundem, a ponto de, o ato de fazer o certo, ético e mora,l ser semelhante a um suicídio.

Desde que a esquerda chegou ao poder, a política tem experimentado mudanças gradativas no seu método operacional,técnico e estratégico. Muitos acreditavam, quando Lula estava prestes a ser eleito em 2002, numa revolução histórica como pregavam a publicidade dos esquerdistas radicais. Mas o que se viu, nesses últimos anos é, que é preciso fazer parte do sistema para mudá-lo.

Dilma assumiu uma postura perigosa nesse seu primeiro ano de governo, combater o maior mal que corrói nosso país há séculos, a corrupção, com a sua já intitulada pela mídia de “faxina”. pode torná-la tanto uma heroína como um dos piores presidentes que nosso país já teve.

Todos sonhamos que, um dia, uma figura integra e totalmente comprometida com nosso país, assumisse o poder e debandasse tudo aquilo que há de ruim, que fizesse uma gestão competente, para o povo e combatesse de frente a corrupção.

Mas combater assim a corrupção é bater de frente justamente com aqueles, que sem eles, ela não tem como governar. É ir contra uma rede de interesses tão complexa e poderosa – não só no terreno político - que pode levá-la do céu ao inferno em questões de segundos.

Sem dúvidas está se instalando uma nova maneira de fazer política nesse país, aquela que há décadas esperávamos que surgisse, mas a mudança acontecerá de maneira sorrateira, não revolucionaria e heróica como todos sonhávamos e ela, a presidenta, assumiu todos os riscos.

O capitalismo sustentado pelo consumismo


Por Leonardo Boff
Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.
As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011.
Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras: “vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neoliberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no país onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paíes entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.
É imperativo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.