segunda-feira, 9 de julho de 2012

SÃO PAULO DE 5 E 9 DE JULHO






por Gilberto Maringoniem Carta Maior

Os dias 5 e 9 de julho condensam caminhos pelos quais a história paulista poderia seguir. São dois tabus no estado. Um é esquecido, o outro é exaltado.

A primeira data marca uma violenta reação ao poder do atraso, tendo por base setores médios e populares. E a segunda representa a exaltação do atraso, capitaneada pela elite regional.

Dia 5 de julho, há 88 anos, uma intrincada teia de tensões históricas desaguou no episódio que ficaria conhecido como Revolução de 1924. Suas raízes estão no agravamento de problemas sociais, no autoritarismo dos governos da República Velha e em descontentamentos nos meios militares, que já haviam gerado o movimento tenentista, dois anos antes.

Naquele duro inverno, em meio a uma crise econômica, eclodiu uma nova sublevação. Tropas do Exército e da Força Pública tomaram quartéis, estações de trem e edifícios públicos e expulsaram da cidade o governador Carlos de Campos. No comando, em sua maioria, camadas da média oficialidade. Quatro dias depois, era instalado um governo provisório, que se manteria até 27 de julho. O país vivia sob o estado de sítio do governo Arthur Bernardes (1922-1926).

Entre as reivindicações dos revoltosos estavam: “1º Voto secreto; 2º Justiça gratuita e reforma radical no sistema de nomeação e recrutamento dos magistrados (…) e 3º Reforma não nos programas, mas nos métodos de instrução pública”. No plano político, destaca-se ainda “A proibição de reeleição do Presidente da República (…) e dos governadores dos estados”.

Várias guarnições de cidades próximas aderiram ao movimento. Apesar da falta de um programa claro, setores do operariado organizado apoiaram os revolucionários e exortaram a população a auxiliá-los no que fosse possível.

Bombas, tiros e mortes

As ruas da capital foram palco de intensos combates, com direito a fuzilaria, granadas e tiros de morteiros. Cerca de trezentas trincheiras e barricadas foram abertas em diversos bairros.

A partir do dia 11, o governador deposto, instalado nas colinas da Penha, seguindo determinações do presidente da República, decidiu lançar uma carga de canhões em direção ao centro. O objetivo era aterrorizar a população e forçá-la a se insurgir contra os rebelados.

De forma intermitente, os bairros operários da Mooca, Ipiranga, Belenzinho, Brás e Centro sofreram bombardeio por vários dias. Casas modestas e fábricas foram reduzidas a escombros e cadáveres multiplicavam-se pelas ruas.

Sem conseguir dobrar a resistência, o governo federal decidiu bombardear a cidade com aviões de combate.

O fim da rebelião

Três semanas depois de iniciada, a rebelião foi acuada. Dos 700 mil habitantes da cidade, cerca de 200 mil fugiram para o interior, acotovelando-se nos trens que saiam da estação da Luz. O saldo dos 23 dias de revolta foi 503 mortos e 4.846 feridos. O número de desabrigados passou de vinte mil. No final da noite do dia 28, cerca de 3,5 mil insurgentes retiraram-se da cidade com pesado armamento em três composições ferroviárias. O destino imediato era Bauru, no centro do estado.

Deixaram um manifesto, agradecendo o apoio da população: “No desejo de poupar São Paulo de uma destruição desoladora, grosseira e infame, vamos mudar a nossa frente de trabalho e a sede governamental. (…) Deus vos pague o conforto e o ânimo que nos transmitistes”.

As tensões não cessariam. No ano seguinte, parte dos revolucionários engrossaria a Coluna Prestes (1925-1927). Mais tarde, outros tantos protagonizariam – e venceriam – a Revolução de 30.

Promovida pelas camadas médias do meio militar, o levante ganhou apoio de parcelas pobres da população. Talvez por isso seja chamada de “a revolução esquecida”.

A revolução que não foi

A segunda data, 9 de julho, é marcada pelo estopim de uma revolução que não faz jus ao nome. É exaltada e cultuada como uma manifestação de defesa intransigente da democracia, ela faz parte da criação de certa mitologia gloriosa para São Paulo.

O evento, em realidade, representa a sublevação da oligarquia cafeeira contra a Revolução de 30, que a retirou do governo e se constituiu no marco definidor do Brasil moderno.

Aquele processo não pode ser visto apenas como uma tomada de poder por um punhado de descontentes. Suas causas envolvem as contrariedades nos meios militares e tensões do próprio desenvolvimento do país. A crise de 1929 acabara de chegar, colocando em xeque o liberalismo reinante.

A Revolução consolidou a expansão das relações capitalistas, que trouxe em seu bojo a integração ao mercado – via Estado – de largos contingentes da população. O mecanismo utilizado foi a formalização do trabalho.

As novas relações sociais e a intervenção do Estado na economia – decisiva para a superação da crise e para o avanço da industrialização – implicaram uma reconfiguração e uma modernização institucional do país. A conseqüência imediata foi a perda da hegemonia da economia cafeeira, centrada principalmente em São Paulo e parte de Minas Gerais. Percebendo as mudanças no horizonte, as classes dominantes locais foram à luta em 1932.

A locomotiva e os vagões

Explodiu então a rebelião armada das forças insepultas da República Velha e da elite paulista, querendo recuperar seu domínio sobre o país.

Tendo na linha de frente a Associação Comercial e a Federação das Indústrias (FIESP), o levante tinha entre seus líderes sobrenomes importantes do Estado, como Simonsen, Mesquita, Silva Prado, Pacheco e Chaves, Alves de Lima e outros. O movimento contou com expressivo apoio popular, uma vez que os meios de comunicação (rádio, jornais e revistas) reverberaram as demandas das classes altas.

A campanha que precedeu a sublevação exacerbou uma espécie de nacionalismo paulista, incentivado por grupos separatistas. Entre esses, notabilizava-se o escritor Monteiro Lobato. A síntese da aversão local ao restante do país expressava-se na difundida frase, que classificava o estado como “a locomotiva que puxa 21 vagões vazios”, em referência às demais unidades da federação.

Contradição em termos

O objetivo do movimento, derrotado militarmente em 4 de outubro, era derrubar o governo provisório de Getulio Vargas e aprovar uma nova Constituição. Daí a criação do nome “revolução constitucionalista”, uma contradição em termos. Revolução é uma ação decidida a destruir uma ordem estabelecida. A expressão “constitucionalista” expressava uma tentativa recuperação do status quo, regido pela Carta de 1891. Se é “constitucionalista”, não poderia ser “revolução”.

Os sempre proclamados “ideais de 1932” são vagas referências à constitucionalidade e à democracia. Mas não existia, por parte da elite, nenhuma formulação que fosse muito além da recuperação da hegemonia paulista (leia-se, dos cafeicultores).

Exatos oitenta anos depois, o 9 de julho segue comemorado como a data magna do estado, uma espécie de 7 de setembro local. E os acontecimentos de 5 de julho de 1924 continuam como páginas obscuras de um passado distante.

A elite paulista voltaria ao poder em 1994, pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB. Seu mote foi dado no discurso de despedida do senado, em 1994: “Um pedaço do nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”.

Os objetivos desse setor continuaram os mesmos, décadas depois: realizar a contra-Revolução de 30.

As tensões entre as datas – 5 e 9 de julho – expressam duas vias colocadas até hoje nos embates políticos paulistas: a saída conservadora e a saída antielitista.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

domingo, 8 de julho de 2012

O MENSALÃO "DO PT" E OS OUTROS MENSALÕES


Por Marcos Coimbra, Na Carta Capital
Por coincidência, justamente quando o julgamento do mais famoso “mensalão”, que alguns chamam “do PT”, foi marcado, a Procuradoria-Geral da República encaminhou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) sua denúncia contra os acusados de outro, o “mensalão do DEM” do Distrito Federal.
Trata-se mesmo de um acaso, pois a única coisa que os dois compartilham é o nome. Equivocado por completo para caracterizar o primeiro e inadequado para o segundo.
Naquele “do PT”, nada foi provado que sugerisse haver “mensalão”, na acepção que a palavra adquiriu em nosso vocabulário político: o pagamento de (gordas, como indica o aumentativo) propinas mensais regulares a parlamentares para votar com o governo. No outro, essa é uma das partes menos importante da história.
Alguns acham legítimo – e até bonito – empregar a expressão como sinônimo genérico de “escândalo” ou “corrupção”, mas isso só distorce o entendimento. O que se ganha ao usar mal o português? No máximo, contundência na guerra ideológica. Chamar alguma coisa de “mensalão” (ou adotar neologismos como “mensaleiro”) tornou-se uma forma de ofender.
Fora o nome errado igual, os dois são diferentes.
Ninguém olha o “mensalão” de Brasília como se tivesse significado especial. É somente, o que não quer dizer que seja pouco, um caso de agentes políticos e funcionários públicos, associados a representantes de empresas privadas, suspeitos de irregularidades.
Por isso, se o STJ acolher a denúncia, o processo terá tramitação normal. Sem cobranças para que ande celeremente. Sem que seja pintado com cores mais fortes que aquelas que já possui. Sem que se crie em seu torno um clima de “julgamento do século” ou sequer do ano.
É provável que aconteça com ele o mesmo que com outro mais antigo, o “mensalão do PSDB”. Esse, que alguns dizem ser o “pai de todos”, veio a público no mesmo período daquele “do PT”, mas avança em câmera lenta. Está ainda na fase de instrução, sem qualquer perspectiva de julgamento.
Por que o que afeta o PT é mais importante?
A resposta é óbvia: porque atinge o PT. Se os “mensalões” da oposição são tratados como secundários e se outros são irrelevantes (como os que a toda hora são noticiados em estados e municípios), deveria existir no do PT algo que justifique tratamento diferente.
Há quem responda com uma frase feita, tão difundida, quanto vaga: seria o “maior escândalo da história política brasileira”. Repetida como um mantra pelos adversários do PT, não é substanciada por nenhuma evidência, mas circula como se fosse verdade comprovada.
“Maior” em que sentido? Os recursos públicos movimentados seriam maiores? Mais gente estaria envolvida?
É difícil para quem lê as alegações finais do Ministério Público Federal (MPF) compreender o montante que em sua opinião teria sido desviado e como. O documento é vago e impreciso em algo tão fundamental.
Essa indefinição pode ser, no entanto, positiva: deixa a imaginação livre. Qualquer um pode inventar o valor que quiser.
O “mensalão do DEM”, ao contrário, tem tamanho especificado: 110 milhões de reais. Nele, o MPF não se confundiu com as contas.
Se o critério para considerar maior o petista for a quantidade de envolvidos, temos um curioso empate: dos 40 acusados originais, número buscado pelo MPF apenas por seu simbolismo, restam 37, tantos quanto os denunciados no escândalo de Brasília.
E há diferenças notáveis. No “mensalão do DEM”, os agentes públicos foram citados por desviar dinheiro para enriquecimento pessoal, o que, em linguagem popular, significa roubar. No “do PT”, nenhum.
De um lado, valores certos, acusados em número real, motivações inaceitáveis. Do outro, o oposto.
Quando o procurador-geral declarou que “a instrução comprovou que foi engendrado um plano criminoso para a compra de votos dentro do Congresso Nacional”, esqueceu que nem sequer uma linha de suas alegações o demonstrou. Arrolou 12 deputados (quatro do PT), que equivalem a 2% da Câmara, número insuficiente para sequer presumir que houvesse “um esquema de cooptação de apoio político”, a menos que inteiramente inepto.
No caso de Brasília, nada está fantasiado, é tudo visível, o que não significa que tenha sido provado de forma juridicamente correta.
No fundo, essa é a questão e a grande diferença entre os dois. Quando a hora chegar, o “mensalão do DEM” deverá, ao que tudo indica, ser analisado de maneira técnica. Se o “do PT” o fosse, pouco da acusação se sustentaria.
Tomara que os ministros do STF consigam independência para julgá-lo de maneira isenta, livres das pressões dos que exigem veredictos condenatórios.