terça-feira, 22 de maio de 2012

A crise internacional e o Brasil


Por Luis Nassif
A crise internacional afeta o Brasil nas seguintes frentes:
  1. A estagnação da Europa reduz as exportações brasileiras para lá, ao mesmo tempo em que gera excedentes da produção europeia.
  1. Também impacta as exportações da zona asiática, afetando preços de commodities agrícolas e minerais, com impactos especialmente sobre Brasil e América Latina.
  1. Aumenta a guerra comercial, com europeus e asiáticos tentando desovar seus excedentes nas economias emergentes. O real desvalorizado aumenta o preço de produtos importados - dentre os quais máquinas e equipamentos. Mas a crise internacional leva os países produtores e reduzir seus preços em dólares.
Em relação à crise de 2008, o país têm as seguintes vantagens:
  1. A constituição de reservas cambiais e a solidez do sistema bancário torna o país menos exposto ao trancamento de crédito.
  1. Em 2008 a Fazenda teve que jogar quase sozinha na implementação de medidas anti-cíclicas. Agora, o Banco Central rompeu a paralisia dos últimos 20 anos e se tornou pró-ativo.
Mas não pode contar com outras vantagens da crise de 2008:
  1. Na primeira onda de crédito, havia uma enorme demanda reprimida. Em um primeiro momento, o atendimento da demanda permite saltos no mercado. Atendida a demanda, o crescimento do mercado passa a ser incremental. Só seria auto-sustentado se esse impulso inicial tivesse se transmitido para a cadeia dos fabricantes. A desatenção para o câmbio fez com que a maior parte desse aumento de consumo fosse apropriado pelas importações.
  1. Não é tarefa trivial a recomposição da cadeia produtiva da indústria. Nos últimos 20 anos, o câmbio apreciado mudou estruturalmente a cadeia de fornecedores da indústria - mais agudamente no período 2003-2010. Hoje em dia, a invasão dos importados - especialmente os chineses - já se dá em nível dos terceiro e quarto círculos de fornecedores. Ou seja, o fornecedor do fornecedor do fornecedor já enfrenta concorrência chinesa. Encarecendo os importados, há um longo e penoso processo de reconstrução da cadeia produtiva, sem a menor possibilidade de se obter resultados imediatos.
  1. Com a possível estagnação da América Latina, reduz ainda mais o potencial de exportação de manufaturados brasileiros.
Há um conjunto de elementos não-mensuráveis no momento, com implicações no médio prazo.
Na China, um redirecionamento do seu modelo de crescimento, focado mais no mercado exteno.
Algumas análises apressadas previram redução da demanda por commodities metálicos (devido à menor exportação de bens duráveis) e manutenção da demanda or commodities agrícolas (destinada à alimentação interna).
É análise enviesada que supõe que os novos consumidores chineses não adquirirão eletroeletrônicos, bens de consumo durável.  Além disso, em todo processo de fortalecimento de mercado interno, a construção civil desempenha papel central. E é o setor que mais consome produtos siderúrgicos. Portanto, embora possa haver uma redução da demanda global por commodities, certamente será passageira.
Na Europa, uma forte reação política enfraquecendo a postura prussiana do Banco Central Europeu, da Alemanha e da Inglaterra. A médio prazo significará um abrandamento do fiscalismo suicida europeu.

O necessário equilíbrio


Por Antonio Delfim Netto
Neste momento de incerteza em que parece que o país não tem rumo, que parece viver de pequenos expedientes e no qual se exige um "coerente programa nacional em que o Brasil explicite com clareza o que quer de si mesmo", é bom lembrar que ele existe. A Constituição tem, ínsita, uma linha de desenvolvimento político, social e econômico que, com as dificuldades naturais, vem sendo seguida. Afinal, que tipo de sociedade os brasileiros escolheram para viver através dos seus constituintes? Não é coisa fácil de definir porque a Constituição é extremamente analítica, mas podemos definir o seu "espírito original" em três grandes vetores:
1) uma sociedade republicana em que todo cidadão, independente de sua origem, cor, credo, gênero, educação ou patrimônio, obedecerá à mesma lei, à qual se submeterá, inclusive, o Estado; 2) uma sociedade democrática, controlada pelo sufrágio universal com voto secreto, amplo e irrestrito no qual, em princípio, quem vota pode também ser votado; 3) um Estado forte, mas constitucionalmente controlado, que garanta o funcionamento de uma sociedade aberta, onde os indivíduos têm plena liberdade para iniciativa lícita e podem apropriar-se dos seus benefícios; com poder para regular a organização econômica que sustenta o uso dos mercados na alocação de bens e serviços; e com poder para ir ampliando a construção de uma sociedade onde cada vez mais adquire significado concreto a igualdade de oportunidades. É preciso dizer que diante desse programa civilizatório não há a menor dicotomia entre Estado e mercado.
Constituição mostra qual a linha de desenvolvimento
Para entender porque os economistas podem ser úteis, não no estabelecimento desse objetivo, mas na facilitação da sua realização é preciso reconhecer que a condição preliminar para atingi-los é o aumento da produtividade do trabalho, que encolhe o tempo necessário do homem para construir sua sobrevivência física e expande o tempo disponível para que ele conquiste a sua humanidade. O desenvolvimento é apenas o instrumento que, eventualmente, tornará possível ao homem realizar-se plenamente.
O problema é que, por maior que sejam nossos desejos e por melhor que sejam as "instruções" da Constituição para a construção do nosso processo civilizatório, há realidades físicas que obstruem a sua marcha e decisões políticas que podem acelerá-la ou retardá-la. Para entender isso observe-se o gráfico abaixo, já publicado nesta coluna uma meia dúzia de vezes, ao longo dos últimos 12 anos. Numa simplificação radical ele revela a essência do processo de desenvolvimento numa economia fechada. Da população total (N) extraímos a população economicamente ativa (com seu nível de educação e saúde) e, dela, a Força de Trabalho (L), os que podem e querem trabalhar. Esses, usando o Estoque de Capital (K), que é trabalho do passado congelado na forma de infraestrutura, máquinas etc. produzem o PIB. É fato empírico bem comprovado que a "produtividade" da combinação do capital (K) com o trabalho (L) depende, dentro de certos limites da intensidade da relação entre eles (K/L), ou seja, da quantidade de capital (K) de que dispõe cada unidade da mão de obra (L).
Trata-se, obviamente, de uma metáfora não mensurável que permite entender que o tamanho do PIB depende do estoque de capital (K), da disponibilidade do trabalho (L) e da sua "produtividade" (K/L). A velocidade do processo é determinada pelo ritmo de crescimento do capital com relação ao do trabalho. Há, portanto, uma clara relação entre o ritmo possível do consumo e a velocidade desejada de crescimento.
Até aqui o processo é puramente físico e a economia tem muita coisa útil para dizer e ensinar sobre ele. Uma vez produzido, entretanto, a distribuição do PIB entre o consumo que volta para a população (N) e o investimento que retorna ao estoque de capital (K) para repor o capital consumido na produção (depreciação) e aumentá-lo, é um processo político. Nas democracias ele é resolvido nas urnas. Nos regimes autoritários pelo arbítrio, fora do alcance da economia e dos economistas. O que esses podem fazer é apontar os inevitáveis resultados práticos das escolhas políticas e o nível de sua coerência no longo prazo com os objetivos estabelecidos pela sociedade.
Não é preciso ser um físico quântico para compreender que sem um equilíbrio entre o consumo e o investimento, o sistema não tem energia para se manter funcionando adequadamente. Quando há ênfase exagerada no consumo (como no Brasil) ou no investimento (como na China) o sistema perde funcionalidade no longo prazo. Chega a hora de mudar. O Brasil precisa dar ênfase ao investimento e às exportações sem recuar na inserção social. A China precisa reduzir os investimentos e a exportação para dar ênfase ao consumo.