sábado, 10 de setembro de 2011

Ética no jogo político


Por Miguel do Rosário
Milhares de pessoas saem em todo Brasil para cobrar ética na política. O Globo divulga fotos na capa e na terceira e quarta páginas (as áreas mais nobres do jornal). A manchete diz: “Pelo país, protestos contra a corrupção”. O subtítulo: “atos foram convocados pela internet”.
Quem sou eu para ser contra protestos contra a corrupção?
No entanto, acho curioso que os jornais digam que “os atos foram convocados pela internet” se todos eles divulgaram data, local e até mapas na véspera.
É a mesma coisa que aconteceu em março de 1964. A imprensa fez uma grande campanha de mobilização da sociedade, através da força de seus instrumentos de comunicação de massa; entrevistava autoridades e entidades (as mesmas de hoje: OAB, ABI, Fiesp, Firjan…), que afirmavam apoiar a manifestação e que estariam presentes; e depois dizia que as pessoas haviam acorrido “espontaneamente”.
Os órgãos de imprensa, que hoje formam a cabeça do “estamento” político da direita (conforme o conceito de Max Weber), querem associar-se às manifestações de massa para produzirem a impressão de que as suas ideias tem respaldo popular. Mas lhes interessa que essas manifestações não tenham líderes, não produzam organizações civis, que não sejam vinculadas a nenhum movimento social, partido político ou sindicato. Na matéria do Globo, deu-se destaque a hostilidade dos manifestantes a qualquer símbolo de alguma entidade civil organizada.
Quais são as propostas concretas que os manifestantes oferecem à sociedade?
Na verdade, uma manifestação contra a corrupção é como fazer uma manifestação contra a maldade: é uma manipulação da ingenuidade das pessoas.
Tenho me convencido, nos últimos tempos, que a sociedade manipulada pela mídia é inocente. Sinto-me cada vez mais inclinado a ver o que chamamos de classe média conservadora e alienada como vítima. Claro que o egoísmo entra em jogo aqui com muita força. Mas a partir do momento em que a informação disponibilizada para todo um grupo social vem somente de uma fonte, é inevitável que acarrete um processo de homogeneização (no caso, conservadora) ideológica de todo este grupo.
Ora, todos nós somos contra a corrupção. É saudável, da mesma forma, que a sociedade se mobilize para pedir reformas. O lado sombrio dessas manifestações, contudo, é que elas inscrevem-se na campanha sistemática da mídia para satanizar as instituições políticas.
Há muita corrupção no Brasil e ela deve ser combatida. Eu tenho prestado apoio aqui todo meu apoio à “faxina” da presidente, mesmo sabendo que a narrativa das ações governamentais tem sido em grande parte sequestrada por setores midiáticos de oposição. Não tem importância. Em política, assim como nas artes marciais, pode-se usar a força do adversário contra ele mesmo. A mídia quer fazer campanha contra a corrupção? Ótimo. A esquerda política pode dar o drible da vaca e usar isso para, de fato, fazer uma limpeza ética no país, investindo pesadamente em ações da Polícia Federal.
Na última vez que o governo federal fez isso, na era lulista, a mídia pediu arrego, assustada com o desfile de altos empresários, magistrados, políticos, entrando algemados em camburões. A mesma OAB que hoje apoia as manifestações contra a corrupção deu, na época, declarações de defesa aos empresários presos por sonegação de imposto. Não esqueço: presidente e diretores da OAB defendendo as falcatruas das proprietárias da Daslu. Não esqueço: editoriais e mais editoriais contra o “estado policial”.
Na minha opinião, portanto, devemos apoiar as manifestações contra a corrupção, mas dar-lhes uma consequência. Vamos ampliar ainda mais a Polícia Federal. Vamos endurecer as leis contra políticos, funcionários públicos e empresários (sim, não esqueçamos os empresários!) envolvidos em prevaricação. Vamos exigir mais transparência nos gastos governamentais, em todas as esferas. Essa é uma agenda importante, até mesmo prioritária, porque se esses desvios não representam muita coisa (percentualmente falando) a nível federal, eles constituem uma verdadeira tragédia nos municípios.
Não há frase melhor para fechar esse post do que um misterioso verso de Arthur Rimbaud:
“Enquanto recursos públicos se evaporam em festas de fraternidade, um sino de fogo rosa soa nas nuvens.”

ANVISA adverte: revista Veja faz mal à saúde




Por Altamiro Borges

A revista Veja não tem cura. Na edição da semana retrasada, ela estampou na capa o título “O poderoso chefão” e publicou uma “reporcagem” cheia de adjetivos contra o ex-ministro José Dirceu. O seu repórter tentou invadir o apartamento do dirigente do PT e imagens ilegais foram usadas na matéria. A ação criminosa está sendo investigada pela polícia e a Veja está acuada.

Nesta semana, na edição número 2233, a revista preferiu uma capa mais light, talvez tentando esfriar a reação à sua ação mafiosa contra Dirceu. “Parece milagre!” foi a manchete da longa reportagem sobre um novo remédio “que faz emagrecer entre sete a 12 quilos em apenas cinco meses”. Novamente, porém, a revista parece ter cometido outro crime.

Hipoglicemia, náusea e diarréia

Em comunicado oficial, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) imediatamente alertou que o remédio propagandeado pela Veja não deve ser usado como emagrecedor. “A única indicação aprovada atualmente para o medicamento é como agente antidiabético... Não foram apresentados à Anvisa estudos que comprovem qualquer grau de eficácia ou segurança do uso do produto Victoza para redução de peso e tratamento da obesidade”.

Ainda segundo o comunicado, o uso do medicamento para qualquer outra finalidade apresenta “elevado risco para a saúde da população”. O Victoza foi aprovado para comercialização em março de 2010 para uso específico no tratamento de diabetes. A Anvisa informa que foram relatados eventos adversos associados ao medicamento nos estudos clínicos, como dores de cabeça, hipoglicemia, náusea e diarréia. Ela destaca ainda os riscos de pancreatite, desidratação e alteração da função renal e da tireóide.

Propaganda descarada

Como relata Ligia Martins de Almeida, em artigo no Observatório da Imprensa, a revista tem o péssimo costume de propagandear remédios. “Não é a primeira vez que Veja dedica seu precioso espaço para falar de dietas milagrosas... Mas talvez seja a primeira vez que ela usa sua capa para divulgar um produto de forma tão descarada”. Os resultados desta jogada comercial são imediatos.

“O sucesso da matéria pode ser comprovado no site DoceVida, especializado na venda de produtos para diabéticos, que já no domingo trazia a reprodução da capa de Veja com a matéria sobre o remédio. O medicamento, aliás, que só pode ser vendido com receita médica e custa entre 343 e 350 reais nos sites de farmácias especializadas em vendas online... Com a matéria de Veja, certamente a procura – na internet e nos consultórios de endocrinologistas – vai aumentar muito”.

Quem tem culpa no cartório?

“Os pauteiros e editores da revista – felizes com a repercussão da matéria (porque as matérias desse tipo sempre dão excelentes resultados) – não terão qualquer sentimento de culpa se eventualmente se descobrir que os efeitos do tal medicamento podem ser péssimos para quem não tem problemas com glicemia. Até lá, terão mudado os pauteiros e os editores e os próximos poderão discutir o assunto sem qualquer culpa no cartório”.

“O que Veja deixou claro, com essa matéria, é que a responsabilidade da imprensa com os seus leitores nem sempre vem em primeiro lugar. A vontade de causar impacto (ou talvez de atender os interesses de seus anunciantes) às vezes fala mais alto”, conclui Ligia Martins de Almeida, que até pegou leve com a inescrupulosa e ambiciosa famiglia Civita, dona da revista.

O crime não será punido?

Como ensina o professor Dênis de Moraes, no livro “Por uma outra comunicação”, a mídia privada e monopolizada tem interesses políticos e econômicos. Na “reporcagem” contra Dirceu, ela visou desgastar e enquadrar o governo Dilma. Já na matéria sobre o remédio milagroso, os interesses comerciais e publicitários falaram mais alto. Nos dois casos, a revista Veja cometeu crimes.

Será que o laboratório que fabrica o Victoza pagou pela chamativa propaganda na capa da Veja? Ele banca anúncios publicitários na revista? Quais seriam os valores? Existe “caixa-2” no mercado publicitário? Isto não configuraria uma forma de corrupção? Se a saúde da população é colocada em “risco elevado”, não caberia aos poderes públicos tomarem providência contra a revista?

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Os bastidores de uma noticia...


Blog do Alok: Como funciona a velha imprensa: uma experiência pessoal.

Como funciona a velha imprensa: uma experiência pessoal.
No sábado, 3 de setembro, foi publicada no Globo Online uma matéria repercutindo o debate sobre a regulação da mídia, um dos temas mais importantes discutidos durante o Congresso do PT.
Motivados pelos recentes acontecimentos no Hotel Naoum, em Brasília, quando repórter da revista Veja tentou invadir o quarto aonde estava hospedado o ex-deputado José Dirceu, a questão da regulação se tornou tema central na agenda dos delegados e militantes do partido.
Pois bem. A referida matéria anunciava a intenção do partido em tratar do assunto e tomava a opinião da ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, sobre a postura do governo em relação a esta renovada disposição do PT em colocar a questão em pauta. Entretanto, em momento nenhum, a matéria se referiu à tentativa de invasão do quarto do hotel. Mencionou apenas a “reportagem” publicada pela Veja contra José Dirceu, relacionada às atividades do ex-ministro da Casa Civil no governo Lula. É o que se lê no texto, aqui reproduzido:
"Para Ideli, o momento é oportuno para se reabrir esse debate sobre o marco regulatório da mídia.
- Ainda mais diante de episódios que levantam dúvidas entre a liberdade de imprensa e a espionagem. Não podemos admitir espionagem política - observou a ministra, sem citar diretamente a reportagem da revista "Veja" que denunciou o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu de estar tentando desestabilizar o governo de Dilma Rousseff."
Decidi então enviar um e-mail à jornalista autora da matéria, observando que o texto, tal como foi escrito, induz o leitor a pensar que a motivação da ministra e do PT nada mais era que mera retaliação a matéria desfavorável publicada pela Veja. Não havia, na matéria do Globo Online, nenhuma linha que explicasse ao leitor que Ideli, na verdade, estava se referindo à tentativa de invasão do quarto de José Dirceu, no Hotel Naoum, no dia 24 de agosto, pelo repórter Gustavo Ribeiro. Não é pouca coisa. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil de Brasília e há suspeitas de que o repórter plantou uma câmera escondida no corredor do hotel.
Solicitei ao Globo, portanto, que o texto fosse revisado e alterado no site para, justamente, incluir os fatos relativos à tentativa de invasão e, assim, dar ao leitor o verdadeiro sentido da declaração da ministra. Em vão. No fim das contas, fui tratado como se, ao invés de um cidadão em busca do meu direito de ser bem informado, como um assessor do PT interessado em brigar com a notícia.
Segue abaixo, o diálogo travado entre mim e a repórter Adriana Vasconcelos, de O Globo, responsável pelo texto:
--- mensagem original ---
De: Dario Achkar
Assunto: Marco Regulatório da Mídia, Veja x Dirceu, Ideli, etc..
Data: 3 de Setembro de 2011
Hora: 18:33:38
Prezada Adriana,
com referencia a matéria publicada hoje no Globo online,http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/03/ideli-diz-que-impossivel-gov...
a ministra Ideli se referiu a espionagem política não pela matéria da Veja sobre José Dirceu, mas sobre a tentativa do seu repórter de invadir o apartamento do hotel, o que aliás, não é mencionado em parte alguma da sua matéria. Colocado da forma em que está na sua matéria, fica parecendo que é mera retaliação do governo e do PT a matéria desfavorável publicada pela revista.
Alguma chance em corrigir o equívoco?
Att,
Dario
Ao que obtive a seguinte resposta:
De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 3 de setembro de 2011 20:56
Para: Dario Achkar
Dario,
Só agora vi sua msg, mas qdo me refiro à reportagem da Veja, penso que está clara a referência do episódio relatado pelo ex-deputado José Dirceu em seu blog.
Um abraço
Adriana
Não satisfeito com a resposta, insisti:
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De: Dario Achkar
Data: 4 de setembro de 2011 12:28
Para: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Prezada Adriana,
este é o ponto. Não está clara a referência, uma vez que o episódio foi sequer mencionado na matéria, e a grande maioria dos leitores quase não teve acesso a notícia, pois a mesma quase não foi repercutida na grande imprensa. E quando foi, ficou restrita a notas de rodapé. E de fato, colocado como está. fica parecendo mera retaliação do governo a matéria desfavorável a um membro do PT. Não soa estranho que a real motivação do debate não figure na matéria, cabendo ao leitor supor então qual teria sido a real motivação do debate?
att,
Dario
Ao que se seguiram duas titubeantes respostas em sequência:
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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 12:56
Para: Dario Achkar
Vou encaminhar seu email para a direção do Online. ok?
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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 12:58
Para: Dario Achkar
Mas antes de mandar, gostaria que vc se identificasse. Por acaso é assessor da ministra Ideli? Quais são os seus contatos?
Respondi:
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De: Dario Achkar
Data: 4 de setembro de 2011 13:05
Para: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Adriana,
Meu nome é Dario Achkar Petrillo, tenho 52 anos, moro na zona rural do DF, sou pequeno produtor rural, não sou filiado a nenhum partido, não tenho cargos no governo, bem como ninguém da minha família. Caso seja necessário outras informações, tais como telefone, CPF ou outras, posso também disponibilizar estas infos.
grato pela atenção,
Dario
Eis que então a brilhante jornalista me sai com esta pérola:
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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 13:45
Para: Dario Achkar
Dario,
Se a ministra não reclamou, porque eu teria de alterar o texto? Vc mesmo não teve dúvida sobre o que a ministra se referia, sinceramente acho que os outros leitores tb.
Att.
Ao que obviamente respondi:
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De: Dario Achkar
Data: 4 de setembro de 2011 14:03
Para: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
A ministra, assim como eu, faz parte de uma minoria que tem acompanhado com atenção o desenrolar do imbróglio. A matéria deveria considerar que a grande maioria dos leitores não teve acesso a toda a informação, uma vez que ela mal foi divulgada na grande imprensa. Não é curioso que um fato de tamanha relevância seja sequer mencionado numa matéria aonde a questão da tentativa de invasão era o tema central ao qual a ministra se referia?
Volto a reafirmar, da forma como foi colocado, fica parecendo que a motivação da ministra e dos delegados do partido é mera retaliação a matéria desfavorável, publicada pela revista. Não te parece?
att,
Dario
E assim, fui brindado com sua resposta final:
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De: Adriana Vasconcelos - Redação Suc BSB - O GLOBO
Data: 4 de setembro de 2011 15:02
Para: Dario Achkar
Respeito sua opinião, mas a minha é diferente da sua.
É mole???

Liberdade é pensar por si mesmo

Por Fernando Brito


Toda hora a gente ouve os economistas e os comentaristas falarem dos “fundamentos da economia”. E da velha regra de que quando a demanda cai, a produção cai e os preços, idem.
Lógico, isso reduziria a inflação, não é?
A obviedade, porém, não resiste à prova dos fatos.
Quem tem mais de 40 anos e viu, já adulto, a espiral inflacionária, sabe que o poder de compra do povo brasileiro caía, caía e os preços, ao contrário, subiam, subiam.
Mesmo depois do Plano Real, o combate à inflação sempre foi o argumento usado para proteger a mais vergonhosa espoliação do nosso país.
Em nome dele, endividou-se o nosso país a níveis inacreditáveis. Desde lá, até 2001, nosso endividamento passou de 15 para 55% de toda a riqueza produzida no país. E pagamos, neste período, mais de 200% de juros reais, líquidos, descontada a inflação.
Isso não é aplicação financeira, é prática de agiotagem.
Há mais de 40 anos praticamos uma política que, quando consegue – e foram raras as vezes em que conseguiu – dar algum impulso à economia, o fez à custa da renda do trabalho e do desenvolvimento soberano do país.
Faz pouco tempo que isso mudou. E olha que nem mudou tanto.
Na segunda metade de seu primeiro mandato, iniciado com um país combalido, o Governo Lula passou a ensaiar um caminho diferente, que se consolidou e afirmou como rumo permanente no seu segundo mandato, notadamente a partir da crise de 2008.
Conservamos o regime de metas de inflação – um mandamento divino, na visão de nossos conservadores – mas colocamos ao lado deles metas – embora menos formais – de crescimento do emprego, do salário-mínimo e da economia como um todo.
O dia da independência deve nos trazer à mente uma reflexão serena, mas corajosa.
Algo só perde valor quando este valor se transfere para outro lugar, porque valores materiais não se evaporam.
A grande perda da economia brasileira não é a inflacionária, embora a inflação não deva ser tolerada tanto por seu poder corrosivo sobre a renda do trabalho quanto pela perda de referências que isso traz.
A grande perda do Brasil é exaurir suas riquezas, as da natureza e do trabalho humano, alienando-as da sociedade e retirando-as da circulação interna em que teriam um efeito multiplicador.
Agora, que o destino nos aquinhoou com uma imensa massa de petróleo, que representa uma possibilidade de recuperarmos uma parte, apenas uma parte, de tudo o que já se levou deste país, agridem e sabotam nossa maior e mais lucrativa empresa.
A política de defesa do poder de compra e das riquezas nacionais é atacada como quando, ao atirar em seu próprio peito, Vargas acusou:
“Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
Os tempos, nestes quase 60 anos mudaram. A equação, não.
Os países podem emergir sem rupturas. A China recompôs os laços com o mundo que a revolução havia rompido. A Índia jamais rompeu abruptamente suas relações, embora sejam dolorosas as marcas de seu passado colonial.
Mas jamais poderão emergir pensando pela mente alheia.
Como um ser humano, um país precisa amar e respeitar a sim mesmo, encontrar sua identidade, aprender a conviver com os demais em harmonia fraterna, mas jamais injusta.
Um pequeno gesto, mínimo mesmo, em defesa de nós mesmos, como foi a redução de meio – apenas meio por cento! – por cento nos juros que pagamos, os mais altos do planeta, despertou uma fúria insana contra uma política econômica que, no essencial, tem seguido as regras da “cartilha”, produzindo superávits e apenas cortando com prudência os exageros da especulação.
Temos uma elite feroz, que infelizmente conseguiu espalhar sua ideologia aos setores da inteligência brasileira que, em troca de ser cosmopolita de segunda ou terceira categoria, deixou de nos ver como um só país, uma só nação, um só povo.
O dia da pátria nos traga, em lugar de um nacionalismo formal e vazio, a ideia de que essa mãe deve ser gentil a todos os brasileiros.
E que acreditemos que esse país, enorme e rico como é, tem não arenas o direito, mas o dever de trilhar um caminho próprio. Um caminho onde seu povo não seja mais excluído.
O seu caminho inevitável, como a nossa história está desenhando.

A visão arrogante e injusta contra o corte de juros


Por Antonio Delfim Neto
A indignada e quase raivosa reação de alguns analistas, que se supõem portadores da "verdadeira" ciência monetária, à recente decisão do Copom, de baixar 50 pontos na Selic, revela que, para eles, a sacrossanta "independência" do Banco Central só é reconhecida quando esse decide de acordo com os conselhos que eles, paciente, gratuita e patrioticamente, lhe dão todos os dias, através da mídia escrita, radiofônica e televisiva.
Qualquer desvio só pode ser atribuído e explicado pela "pecaminosa" intervenção do governo que teria jogado a toalha: abandonou a "meta de inflação" e colocou em seu lugar a "meta de crescimento do PIB", não importa a que "custo inflacionário"...
Trata-se, obviamente, de uma acusação irresponsável, injusta e arrogante. Irresponsável, porque colhida furtivamente de "fontes preservadas", que podem não passar de pura e conveniente imaginação, desmentida, aliás, pelos votos divergentes. Injusta, porque pela primeira vez, em quase duas décadas, o Banco Central mostrou que é, efetivamente, um órgão de Estado com menor influência do setor financeiro privado. Arrogante, porque supõe que nenhuma outra visão e interpretação alternativa da realidade diferente da sua possa existir.
O mundo está literalmente vindo abaixo e sugere-se que o Copom deveria repetir o dramático erro de 2008: "Esperar para ver"! Vacilamos quando podíamos ter reduzido a taxa de juro real. Tínhamos um pouco menos de musculatura do que agora, mas poderíamos ter assegurado uma redução muito menor e uma recuperação mais rápida do financiamento do "circuito econômico". Na minha opinião (que é apenas uma opinião impressionista), poderíamos ter crescido qualquer coisa como 2% ou 3% em 2009, em lugar de registrar queda do PIB de 0,6% e, ao mesmo tempo, ter reduzido dramaticamente a taxa de juros real.
As medidas fiscais e monetárias tomadas recentemente pelo governo (nas quais, aliás, tais analistas não acreditavam) estão reduzindo a taxa de crescimento a uma velocidade maior do que se esperava. Com o crescimento do PIB dessazonalizado de 0,8%, do segundo trimestre sobre o primeiro, e a enorme redução da expansão da indústria, é muito pouco provável que o PIB do ano cresça fora do intervalo de 3% (se o crescimento nos terceiro e quarto trimestres for zero) a 3,6% (na hipótese pouco provável de que cresçam também 0,8%).
Mas afinal o que se espera, ainda, das taxas de juros? Que controlem a inflação ou derrubem mais o crescimento? Todos os bancos centrais (mesmo os que não têm isso nos seus estatutos) olham para o nível de atividade e sabem que a política monetária tem efeitos com defasagens variáveis. Devem olhar não apenas a taxa de inflação futura, mas também para o ritmo de crescimento futuro. E devem ser realistas quanto às condições físicas objetivas que levam ao altíssimo custo social de tentar corrigir desajustes estruturais (como é o caso do ajuste qualitativo entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho) reduzindo o crescimento do PIB à custa do aumento da taxa de juros real, com o que se destrói, colateralmente, o equilíbrio fiscal.
Os números externos pioram a cada dia. Na última semana de agosto: 1) no teatro de Jackson Hole, o Fed, o BCE e o Banco da Inglaterra mostraram as suas perplexidades. O mundo tomou conhecimento da receita acaciana de Bernanke: "Farei o que tenho que fazer", sem especificar do que se trata. Remeteu a incerteza para 21 e 22 de setembro, na nova reunião do Fomc; 2) as perspectivas de crescimento mundial caíram para 2,5% (com viés de baixa, contra 3,9% em 2010); 3) o crescimento dos EUA foi reduzido a 1,4% (contra 3%); 4) a Eurolândia, com a redução do crescimento da Alemanha, talvez para 2%; e 5) a China estima crescer 8,7% (contra 10,3% em 2010).
É hora do Brasil pôr as suas barbas de molho: 1) reforçar, como está fazendo, o equilíbrio fiscal de longo prazo e aprovar as medidas que estão no Congresso com o mesmo objetivo; 2) manter sob controle as despesas de custeio e melhorar a qualidade do financiamento da dívida interna; e 3) adotar medidas microeconômicas para corrigir os desequilíbrios do mercado de trabalho, o que, obviamente, não pode ser feito com manobra da taxa de juros.
Isso possibilitará ao Banco Central, diante do complicado quadro interno e externo, prosseguir, com cuidado, mas persistência, a necessária redução da nossa taxa de juros real, abrindo espaço para o investimento público.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras