domingo, 3 de abril de 2011

Para ser eleito é preciso dançar a ciranda do financiamento

Por Jotavê
É em torno de acordos desse tipo que a democracia contemporânea se organiza. As campanhas e as estruturas partidárias têm custos milionários. Montam-se esquemas de arrecadação junto à iniciativa privada. A contrapartida é a corrupção, o desperdício, o superfaturamento, a fraude. Quem paga é a população. Paga duplamente - quando seus impostos são mal empregados, e quando os serviços são mal oferecidos.
Ou seja, a democracia contemporânea se banditizou. Ela não tem condições de funcionar sem que seus atores se associem ao crime organizado que vampiriza o Estado. Todos estão, de alguma forma e em alguma medida, envolvidos. Tanto os que "embolsam" as "sobras de campanha" quanto os que usam o jatinho, mas não querem nem saber de onde veio a grana.  No meio disso tudo, uma porção de políticos honestos e bem intencionados que (i) sabem perfeitamente de onde veio a grana, mas (ii) compreenderam que hoje não é mais possível levar adiante um projeto político nacional sem dançar essa ciranda.
Resultado: Jáder Barbalho e José Genoíno são postos no mesmo saco por uma imprensa que não é capaz de compreender em toda a sua extensão esse mecanismo, ou que prefere acreditar que uma empresa pode, sim, doar 300 mil para uma campanha política por puro idealismo.
Os secretários de governo podem subir exigindo, de antemão, não participar do jogo (caso de Maria Helena Guimarães de Castro, essa grande brasileira que, na hora H, ficou sozinha, abandonada aos leões), ou então são recrutados na própria estrutura partidária, de preferência nas vizinhanças de setores diretamente envolvidos com a sujeira. Provectas cortezãs.
No primeiro mundo, o impacto desse esquema sobre a sociedade local é minimizado pelo fato de parte dos custos de campanha poderem ser exportados. Os interesses em jogo são multinacionais, e o governo tem como pagar parte do preço dobrando a espinha de governos no terceiro mundo. Ou fazendo uma guerra. Além disso, internamente, o sistema de saúde, de educação, de transportes, etc, já está instalado, e trabalha com dinâmica própria. No terceiro mundo, o preço é aplicado na veia: escolas abandonadas, hospitais inacabados, obras faraônicas, e por aí vai. Entra até merenda escolar na receita do bolo.
Essa é a questão número um, dois e três da democracia no terceiro mundo: como se livrar do atual esquema de financiamento da democracia. Só tem um jeito. Restringir por lei o tipo de propaganda permitida. Toda e qualquer propaganda partidária tem que ser feita nos estúdios de uma emissora pública. Dinheiro para pagar a sede do partido, das viagens e do telefone devem ser controladas de perto pela sociedade civil, e não devem ultrapassar um determinado limite. Nada de efeitos especiais, agências valérias de propaganda, musiquinhas, bandinhas, desenhinhos, e não sei mais o quê.
E financiamento público desses gastos mínimos. Aí, funciona. Sem isso, não temos por que ficar surpresos com mecanismos como esse. Não temos nem sequer o direito de ficar indignados. Trata-se de pagar o custo que a democracia impôs aos partidos.
Esta solução não é aceita por um cálculo ideológico perverso. Calcula-se que o financiamento atual tem, especialmente nos países do terceiro mundo, um efeito conservador virtuoso. Como os conflitos sociais são muito grandes, os partidos são obrigados a mergulharem na lama até a cabeça, pois assim tem-se a garantia de que ninguém irá pensar em lances mais ousados. O Mensalão de Lula foi um aviso claro. Selou, pelo que dizem, um acordo de longo prazo com o mercado financeiro.
O assunto, por outro lado, sai do horizonte, pois os políticos na ativa não podem abordá-lo com a mesma sinceridade de um Durval Barbosa, de um Roberto Jefferson, de um Jose Roberto Arruda. Se vocalizam o problema, o jornalista tem sempre a perguntinha idiota na ponta da língua - "se sabia, por que não fez nada?" A resposta é - "porque meu partido tinha que se financiar como qualquer outro, seu estúpido!". Só que não pode responder isso. Então, sabendo que tem mate em três na parada, ele se fecha, e sai pela tangente.
Temos que desatar esse nó. Não existe, eu repito, nenhuma outra questão mais fundamental que essa envolvida no funcionamento da democracia contemporânea. É aí que a sorte dessa democracia está se decidindo. Especialmente em países como o Brasil em que o preço das campanhas não pode ser pago com a guerra no Iraque, e tem que ser pago com merenda escolar.

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