sexta-feira, 4 de março de 2011

Jogo de cartas marcadas


Por Luis Nassif

Ontem, antes mesmo de sair a decisão do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central) em relação à taxa Selic, o dólar caiu para a menor cotação em dois meses: R$ 1,660 na venda.
Já há algumas semanas, as instituições financeiras vinham apostando fortemente na apreciação do dólar. Segundo dados do Banco Central, tinham US$ 13,29 bilhões aplicados em posições vendidas – situação em que se aposta na queda da moeda.
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A razão é simples: desde o início do mês o mercado apostava na alta da taxa Selic. E, aí, bastava uma aposta sem risco no dólar: mais juros, maior o diferencial em relação às taxas internacionais, maior fluxo de dólares entrando e, consequentemente, o valor do dólar caindo.
Esse movimento acompanha o mercado há pelo menos 18 anos. Em todo mercado, a especulação é uma ferramenta de risco. A ponta mais aventureira aposta em determinada cotação, podendo perder ou ganhar; a ponta mais conservadora aposta em outra, que lhe garante um ganho limitado, porém seguro.
Na dobradinha juros-câmbio do país, o único risco decorre de fenômenos externos, não controláveis.
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Foi assim com a crise da Rússia, que pegou no contrapé instituições que apostavam na elevação do valor dos títulos brasileiros – depois do Banco Central ter planejado na surdina a recompra de títulos no exterior.
Depois, na crise de 2002 onde aos fatores políticos internos se somaram fatores internacionais, como a crise da dívida das montadoras norte-americanas.
Finalmente, em 2008, com a quebra do Lehman Brothers.
Mas a dinâmica posterior é a mesma. Na virada, alguns perdem, outros ganham. Depois, retoma-se o processo normal de juros altos e câmbio baixo, proporcionando o duplo ganho aos especuladores sem risco.
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No governo Lula, a dissintonia entre Fazenda e Banco Central produziu uma falsa solução. Sem condições de impedir o BC de promover a apreciação da moeda, a Fazenda insistiu para que pelo menos comprasse dólares no mercado e acumulasse reservas cambiais.
O grande problema das crises cambiais é quando todo mundo sai correndo atrás de dólar e o mercado não consegue atender à oferta. A consequência é a disparada das cotações.
Com reservas cambiais, teve-se a segurança de que, em caso de crise, a procura seria atendida, impedindo uma maxidesvalorização.
Esse acúmulo de reservas resultou em um custo fiscal expressivo: o BC vende títulos públicos que pagam mais de 11% ao ano, recolhe reais, compra dólares e aplica a taxas pouco maiores que zero. A diferença é custo fiscal, dinheiro que sai do orçamento ou necessidade de emitir mais títulos para rolar a dívida.
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Um dos fatores que coibia a queda do dólar era justamente o receio da maxidesvalorização. A partir de certo nível de apreciação, o risco de perder dinheiro era diretamente proporcional ao tamanho da maxidesvalorização, quando sobreviesse a corrida.
Com as reservas, o risco foi minimizado. Isso levou os investidores a se sentirem mais seguros ainda para apostar na desvalorização do dólar.
É por isso que, apesar de todas as ameaças da Fazenda, o mercado está pouco se lixando.

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