sexta-feira, 1 de abril de 2011

O jogo dos 7 erros

Com equívocos estratégicos, Agnelli passou a significar mais risco que lucro para Vale
MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO
O presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão, é conhecido pelo comportamento glacial. Seja qual for o tamanho da crise, ele reage com frieza. Não exibe sinais de nervosismo nem eleva a voz, segundo seus interlocutores.
Sua relação com Roger Agnelli, o presidente da Vale que será substituído pelo engenheiro Tito Martins, como a Folha revelou ontem, tinha ingredientes de carinho de pai para filho.
Agnelli foi o indicado por Brandão que fez as vendas da Vale saltarem de US$ 4 bilhões em 2001 para US$ 46 bilhões no ano passado. Era o criador se deliciando com a performance de sua criatura.
Mesmo assim, Brandão elevou a voz numa conversa telefônica com Agnelli. Não foi um grito, segundo uma testemunha da cena. Mas Brandão falou alto: "Chega, Roger, não dá mais".
Não se sabe exatamente o que Agnelli dizia do outro lado da linha, mas é possível inferir por conta das articulações que ele fez para permanecer na presidência da maior empresa privada da América Latina. E nenhuma dessas articulações interessava ao Bradesco, que busca continuar com os serviços do Banco Postal, uma concessão do governo que lhe rende R$ 1 bilhão por ano.
INTERESSES PESSOAIS
O "chega, Roger" talvez seja a tradução mais acabada de que o presidente da Vale elevara seus interesses pessoais acima dos interesses do Bradesco. Ele contrariou um dos mandamentos do banco: o de colocar a instituição acima dos interesses pessoais.
Inimigo de Guido Mantega (Fazenda), Agnelli passou a significar mais riscos que lucros por conta do passivo de erros estratégicos que cometera (leia quadro ao lado).
A maioria desses erros tem relações com o caráter anfíbio da Vale -a diretoria da empresa comporta-se como seus pares no setor privado, mas o seu controle (exatamente 58,1%) está nas mãos de um fundo de investimentos controlado por um fundo de pensão atrelado ao governo, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil.
A irritação do governo com Agnelli vem de 2009, quando o então presidente Lula sentiu-se afrontado com a demissão de 1.300 trabalhadores da empresa.
Lula ficou contrariado porque pedira aos empresários que não demitissem. Que moral teria para fazer esse pedido ao setor privado se uma empresa controlada por um fundo de pensão público não atendera a seu apelo?
ÁPICE
O ápice desses confrontos ocorreu nas últimas duas semanas, com as articulações de Agnelli para permanecer no cargo. Duas dessas tentativas de encurralar o governo irritaram a presidente Dilma Rousseff, segundo interlocutores ouvidos pela Folha:
1) a articulação que o presidente da Vale fez junto ao DEM para que Mantega fosse convocado pela Câmara para explicar por que queria tirar Agnelli do cargo;
2) o vazamento para a imprensa de que o Bradesco concordara em entregar a cabeça de Agnelli ao governo. Para o Planalto, foi o próprio Agnelli que espalhou a informação, numa tentativa desesperada de manter o cargo.
A articulação com o DEM colocava em risco a continuidade do Bradesco à frente do Banco Postal, cujo contrato será renovado no final do ano, e fragilizava a Vale num momento em que a empresa precisa do governo e sua base no Congresso.
Um projeto de lei prevê a taxação de minérios exportados, que hoje são isentos de impostos. Foi para não ter um pato manco negociando com o Congresso que o Bradesco entregou a cabeça de Agnelli ao governo.

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