sábado, 26 de fevereiro de 2011

Vida vazia e covarde...

sex, 25/02/2011 – 09:37
alberto manoel ruschel filho
Finalmente, os burocratas descobriram que a dor dói. E descobriram também que apanhar – e ver gente apanhando em casa -, dói muito. Fizeram contas e mais contas. Foi difícil.
Deram milhares de telefonemas, “ E a Margareth, vai bem?”, tomaram cafezinhos, aprenderam a usar o Excel, desligaram o computador e foram pra casa.
Às cinco e vinte e cinco da tarde, no caminho, encontraram o colega de repartição na porta do restaurante, falaram de política, riram da novela e garantiram, “Dessa vez paguei o carnê antes, sem juros, que eu não sou bobo”
Nenhum deles ligou pro chefe que estava no trânsito e no ar condicionado, sorrindo, falando com a voz macia no celular por trás dos vidros pretos, elogiando o vestido da secretária, “Amei ele assim, soltinho! Acho que vou te dar um aumento.”
Funcionários e chefes estavam com todas as dívidas pagas. Ninguém devia nada pra ninguém.
No bar da churrascaria da moda, o Doutor pediu mais um uísque “Mais uma pedrinha de gelo! Uma só!”
Você e eu ligamos o computador, entramos no Portal do Nassif. Vimos os números e os desenhos, as linhas subindo e descendo “
Hoje não estou pra notícias de espancamento…”
Mudamos de matéria. Num já, saímos matando o mundo nos comentários.
Ficou tudo claro, resolvido; apanhar dói. Agora estamos todos bem informados sabendo que músculos e nervos, espremidos contra os ossos, dói muito. E a dor dá vontade de gritar.
Assim foi que, no Brasil, do Oipoqui ao Xuí, às cinco e quinze da tarde, milhares de crianças ouviram “Se gritá, apanha mais!”
E foram se encolher atrás da televisão.
Alguns, salvaram-se, saíram sem fazer barulho e nunca mais voltaram.
Os rostos sujos, as unhas pretas, os cabelos de fumaça de ônibus, as camisetas furadas do “Criança Esperança” e os olhos baços olhando pro horizonte de fuligem dessa meninada que prefere a rua, transformou-se num número
Pra fugir à dor, eles foram pra algum lugar sem dor e sem paredes, foram pras ruas correr entre as paredes dos prédios de Bancos entre os jardins das praças e carros de polícia.
Meninos e meninas gostam de correrias.
Eles não gostam de cheiro de pinga em boca de pai que não chega.
Não gostam de apanhar.
Não gostam de mãe chorando pelos cantos.
Mas as mães, também não.
Mãe que apanha, pra disfarçar, bebe.
Pra disfarçar que bebe, bebe mais rápido o licor da patroa.
Mãe que bebe rápido esquece o pano de prato no sofá, e perde o emprego.Quando chega em casa, apanha.
Moleque de shooping que come Mac é um “sem rua”?
O contrário de “de rua” é “de casa”?
Ah, sim!
Cada menino ou menina “de rua” que morre de fome, mata um adulto “de casa”!
Nem que ele não saiba que, desligando o PC, acabou de morrer mais um pouco sem ouvir "sem você, meu amor, eu não sou ninguém…"
Ninguém morre sozinho.
São cinco e quinze da tarde e os restos de um Mac foram jogados aos pombos.
Chove na capital.

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